segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Slow Cheetah

Manhã de segunda feira, vento frio, nevoa sobre a cidade. Os urubus sobrevoavam o carro e o caminho sinuoso tanto quanto uma longa e curva estrada. Preso em meio à um turbilhão de motivos e destinos estava eu. Julgado e condenado, transportado para a penitenciaria. No caminho ermo, não se viam muitos carros, tanto quanto pessoas. Os únicos companheiros que se avinhavam eram sujos, cheios de ira, e aguardando o momento certo de lhe enfiar uma faca sob os rins. Não poderia confiar em ninguém, ouvir ninguém, caminhar sob o sol com ninguém.

Durante o período em que estive preso, vigiei a rotina, os hábitos dos carcereiros, e estudei meticulosamente formas de escapar, meu filho ainda não nascera tão pouco saberia se nasceria, mas tinha de estar lá. Mesmo que a caminhada contasse com o cio da chuva, em meus pulmões se enchessem de ar purulento. Eu teria de escapar e isso estará claro como a pele dela. A bandeira tremulava, e mesmo sem janelas na cela sentia todo o clima que me aguardara. Dias de chuvas tinha um aroma característico de terra molhada, já os de calor, mesmo sob a ventilação se suava como um porco, e era ali minha única forma de escapar. Fugir pelo foro de gesso. Pobres diabos colocaram o gesso. De todos os materiais da construção civil, talvez seja um dos menos sólidos. Sem câmeras de vigilância, seria muito mais fácil subir ao telhado, que cavar um túnel. Ainda mais com o numero de infelizes dedo duros que estavam por lá.

Entendi então que deveria ter um tumulto, deveriam existir farpas, e muito sangue jorrando para que eu estourasse o forro, me enfiasse em meio à tubulação e água, luz e ar, e procurasse meu destino. Em todo o trajeto apenas o balbuciar dos lábios vermelhos dela me motivavam ao encontro, seja com Deus ou com o Diabo. Muitas coisas deveriam ser explicadas, mas ela fugiu, e eu tinha o dever de saber o porquê. Tentei alcança-la na prisão, e nunca me atendera. Dizia que mandaria cartas, esperei dias, horas, minutos, e nada. Perdi a fé, e a única coisa que me motiva durante os tempos de exílio forçado, foram os pensamentos de como sair daquela prisão, de como escapar e então, ter o gosto da verdade na face, ou seguir rumo à Guatemala, me entocar no meio do mato. Isso ainda não estava claro para mim. Claro era que nunca fora tão importante sair de uma prisão como eram naqueles dias.

Exatamente às 13 e 39 horas me aconcheguei perto da parede oposta às grades, escolhi o individuo mais forte para servir de boi de piranha, pelas costas o empurrei em meio aos demais gritando "Viado!", o sangue do chucho feito dias antes, e enfiado em sua nuca jorrava e claramente os outros detentos se irritaram com o infeliz que se jogara neles. Foi o inferno na cela. Sem saber uma linguagem universal de combate, todos eles começaram a se agitar, se insultar, e por fim se matar. Sorriso nos lábios babe estou indo a você!

Aproveitei as costas na parede para socar o teto, enquanto os carcereiros chamavam outros, e tinham medo de adentrar naquele recinto fétido, eu busquei meu espaço. Abri um buraco suficiente para poder me enfiar. Subi com a destreza de um macaco, e procurei uma rota. Grande erro. Tudo muito escuro, e sólido. Tentei subir mais um pouco e nada. Sólidos como tijolos são. Bom teria de ter um outro plano, menos elabora, menos esperto, muito mais sujo, muito mais grosseiro. Olhei pelo buraco que subi, e vi o Caos. Os carcereiros resolveram entrar. Grande erro.

Os dois primeiros entraram e foram surrados pelos infelizes ali de dentro. O pavilhão gritava, ecoava horror, não demorou aos cinco carcereiros serem subjugados, tanto quanto para mim descer, pegar e ultrapassar as barreiras daqueles detentos sanguinários. Tinha de esperar o momento certo de abrir as portas do meu universo sangrento. O coração pulsava, o ar me faltava, e a lembrança dela se pintava. No pavilhão o fogo já começava, outros presos foram soltos pelas chaves de seus próprios carcereiros. Animais. Meus animais de pelúcia.

Quando a tropa chegou a porta alguns policiais já estavam em fronte. Já agitavam suas armas, e combinavam suas táticas. Abri espaço e disse para abrirem ou mais gente morreria ali. Um misto de medo e falta de dialogo surgiu. Teriam de abrir, e eu teria de ser convincente para abrirem. Peguei em minhas mãos o carcereiro mais jovem, e cortei seu pescoço. Agora vocês vão abrir, ou todo mundo e quem entrar aqui ira pelo mesmo caminho. Os poucos imbeceis abriram, deram-me a liberdade. Quanta gratidão. Ao liberar um pavilhão de cem sobre três, vocês podem imaginar que não foi bonito. Animais armados não só com dentes sempre é perigoso.


Procurei o caminho oposto de todos aqueles idiotas, vesti uma farda, e fui para o outro lado, menos tumulto, mais liberdade de ação. Dava para se ouvir os gritos, tanto de desespero, quanto de raiva. Fui ate a cozinha, o pobre soldado que estava de guarda não viu um detento, apenas mais um companheiro fugindo do mutirão do capeta. Matei, e furtei sua arma. O clima começara a ficar seco demais. Peguei um bujão de gás, e ele se libertando, atirei o em cima da grade, passos para trás, e um belo tiro seguido pelo seu fogo de artifício. Por sorte, e sim temos que a ter nas mãos, alguns soldados vinha por aquele caminho, mais um passo e eu estaria livre, graças aos corpos em chamas. Me aproveitei do descuido e do medo, e corri gritando alertas aos demais. Ao chegar na porta, quatro guardas me encaminharam para a ambulância. Não fiz esforço para o contrario, entrei, aceitei os cuidados nas feridas superficiais dos para-médicos, e tranquilamente me levaram ao hospital de Urgências. Agora seria bem mais tranqüila minha viagem. Menos tiros, e apenas uma linha de ônibus ate chegar em algum esconderijo. Meu casamento com a prisão acabara, e agora poderia alcançar os objetivos, bastava o tempo para saber se iria novamente ir de encontro aos lábios vermelhos e pouco sabia o que poderia acontecer, ou se me embrenhava durante o Maximo tempo possível no mato. Como sempre ando dizendo, "O casamento é a única prisão que se é solto por mau comportamento.", gosto do ditado. Gosto de sentir a realidade dos fatos, e meus passos agora seriam não para o bom, tão pouco para o mau. A ignorância é mesmo uma dádiva.

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