sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Noites de Cabíria (Parte IV)

O som do trompete não poderia competir com suas risadas a cada curva. Entusiasmada como uma adolescente em sua primeira noite, talvez menos insegura, essa parte cabia a mim, que absurdamente velho, me via como um desempregado na fila do serviço social. Sim a geração perdida abria espaço agora apenas paras as notas do jazz, e mesmo que um imbecil qualquer pronunciasse em sua lapide, “Aqui jaz alguém que não gostava de Jazz”, o mundo trataria de explicar-lhe a dinâmica do tempo, de modo que cada vez menos eu teria motivos pra sentir-me isolado, muito embora também não me permitisse sentir confortável em furtos.

Qualquer esquina dobrada pra ela era uma festa, como se sua espinha profanasse catacumbas no Egito, como se o mundo terminasse em champanhe, dry martini, conhaque ou qualquer tipo de vodka. Para mim o “Speak Low” era a ordem do dia, para ela parecia mais ser algo como a luxuria dos bailes nazistas, com um gosto de Mata Hari na boca, enfim, era eu mais um dos muitos domesticados pelas imagens de Ford, enquanto o cavalo branco de Wayne pastava sem nenhum arranhão em um globo feio, sujo e podre, enquanto ela despia-se da tensão de uma maneira completamente tendenciosa.

É fato que eu estava mais tenso que qualquer gato acuado, dentes rangendo entre dentes, mas não. Não poderia aparentar um sujeito inseguro, pronto para ser confinado em um abate, esperando a hora de ser degustado por gordos, ou crianças famintas. Logo pensaria em me recompor. Não falei nada do caminho do hotel até a avenida cujo nome leva nosso rio. Boca seca, olhar frio preso ao volante. Sim boneca, eu precisava de algo, quebrar o gelo e esquecer por um minuto que estava preso em um carro roubado com uma mulher deslumbrante no assento do lado, de modo que me coloquei a buscar um cigarro e fitar aquelas coxas, que coxas! Desviei-me duas ou três esquinas, veja bem que nem todos coexistem com uma boa memória. Estacionei em um canto escuro, onde alguns metros acima destemidos bebedores acompanhavam uma partida da seleção pelo rádio, embriagando-se de felicidade pelos gols marcados de Vavá, o Brasil sempre foi criativo em apelidar jogadores. As risadas dela cessaram assim que o carro se pos sob a sombra de nossos destinos, onde de fato eu provaria a mim mesmo não ser o “senhor pacato” e teria ao menos uma oportunidade de explicar-lhe meu ponto antes de prosseguirmos. Ao abrir da minha boca as palavras surgiram tão rápidas que um trago bastava para explanar conjecturas políticas no Itamaraty.

- Ouça! Corro o risco de que perca qualquer admiração que tem por meus escritos, qualquer ponto positivo que tenha visto em mim, sobretudo qualquer possibilidade de terminarmos essa noite dançando. Mas tenho que ser sincero e falar-lhe sobre quem sou eu. – Sua face poderia ser a mais bela do mundo, ao seguir dessas palavras minha impressão era de um desconforto clássico. Claro, que idiota faria o que eu fiz. – Você pode ter tido uma impressão mais ácida sobre quem eu sou pela forma como debato sobre um tema querida, mas daí a envolver-me num roubo e achar que tudo esta perfeito é um tanto demais não é?Ela abaixou a cabeça, voltou seus olhos belos para a bolsa e quando de volta retornaram ela acendia um cigarro. Ali eu joguei fora minhas esperanças de terminar a noite bem e satisfeito, tinha provavelmente jogado fora a chance de me envolver com o charme e o que era pior de uma forma completamente rude. Poderia dizer sobre o meu sentimento naquele momento, toda e quaisquer postulação gestual que ela tivesse me dado naqueles poucos segundos entre o cigarro e eu, mas não valeria a tinta, tão pouco o papel, de modo que apoiei-me no volante e fixamente esperei o tapa que levaria, ou ao menos algumas tantas agressões que ela provavelmente tomaria posse.

Felizmente parecia mais entretida no trago de seu cigarro que em minhas palavras. Abriu a porta e com seu típico andar flutuante desceu. E eu? Minha cabeça não parava de perguntar.

- Ora o que diabos deu nessa mulher! – firmei minhas vistas sobre ela e quando dei por respondido ela já estava no bar. Como um cão latindo eu dei mostras da minha ferocidade, de maneira que nada infringiu nela.

-Ei! Espera ai! – Desci o mais rápido que pude e caminhei até o balcão onde ela se recostava. O jogo, o rádio, o bar, jamais teriam uma oportunidade de receber uma figura tão graciosa, todos se calaram, dos dois senhores barrigudos à porta, aos que estavam na mesa de bilhar sem camisa, do português herdeiro de seu balcão, ao velho que desligara o rádio. Em tom baixo para evitar uma cena eu prossegui ate ela dizendo: - Mas o que diabos você veio fazer aqui?

Não tardou sua resposta, esperava ate que tardasse, talvez fosse melhor:

- Comprando um presente pra você querido! O que mais uma mulher como eu poderia fazer em um bar como este não é? – Dizendo aquilo era como se apenas ela existisse no mundo como mulher, em um oceano repleto de homens barbados sujos de graça ou de tinta de banheiros.

- Não precisa me dar nada, só volte pro carro. Isso não é lugar pra você.

Ela sequer me ouviu, virou ao dono da espelunca pediu uma garrafa de uísque vagabunda, duas de conhaque, e uma água ardente que reluzia na prateleira. Estarrecidos, todos ficamos, mas especialmente o português, que imagino eu jamais vira de uma mulher tão jovem uma fome por álcool tão impressa. – São cem Cruzeiros madame. – Ora, vejam só. Ela me pagando uma bebida. Aquilo quebrou-me mais as pernas do que a idéia do presente em si. – Senhora, são cem cruzeiros, vai pagar ou o senhor que vai? – Aquilo me gelou um rim, certamente ficaria sem ele se não resolvesse isso, contudo, a impulsividade dela era notória. Maior do que a de um boxeador.

Retrucou:

- Mas só cem? Acrescente então, por favor, mais quatro maços e cigarros e duas fichas de bilhar.

Como assim duas fichas de bilhar? O que essa mulher queria com isso eu não saberia te dizer, mas sempre os fatos se mostram melhores narradores que eu. Tão pasmo quanto eu estava o bar e seus moradores, era surrealista demais para as mentes atrasadas daquele lugar, até pra mim soava como Mata Hari fazendo jogo duplo para o pentágono. Pedidos atendidos, novo preço estabelecido e uma pergunta no ar. Quem pagaria a conta?

domingo, 11 de janeiro de 2009

Noites de Cabíria (Parte III)

Do estalar das pedrinhas de gelo, ao tic tac do seu isqueiro, não precisava de muito. Olhos negros, olhos negos o que seria de mim sem um par? Pedi imediatamente ao garçom duas taças de seu melhor champagne. Afinal despíamos ali, de todas as manhas perdidas em uma cama sozinha. Despedíamos absolutamente dos boleros de fossa, da emoção deixada em um cinzeiro cheio, entre garrafas vazias para mais um dia de lamentável trabalho. Como era de se esperar ela precisava aquecer a boca, e como proibir o que é inevitável? Como censurar o que de tão absoluto, pede-se a presença. Apanhei dois cigarros ao mesmo tempo. De modo que não me importava, se eram filtros brancos ou vermelhos. Apenas ali estava eu, meu maço e seus lábios. Busquei meu isqueiro, fósforos, ou qualquer pedra que lascada fornecesse fogo. De fato não tinha e êxitei, mas humildemente pedi seu isqueiro, afinal todos aqueles tic e tac’s soavam muito mais do que um puro convite.

- Por favor. Poderia me ceder seu isqueiro? Acabei deixando os meus fósforos em casa. – Claro que minha desculpa não iria ser levada a sério, contudo, pouco importava ali. Queria de fato fumar, os pulmões a todo vapor questionavam a integridade moral do meu corpo.

- O meu? Respondeu ela, de maneira que quando vi, coloquei-me a postular: - Sim os seus, de quem mais?

Ela levantou gentilmente, apanhou os cigarros da minha mão, caminhou elegantemente até o garçom, sorriu. Em uma ode à Afrodite, ou qualquer mulher divinamente fatal os tacos abriam alas à seu carisma. Dos dentes fixos na boca, e uma aparência quase milenar, não se poderia ao menos insinuar uma recusa. Pediu-lhe o isqueiro, que não mais do que poucas notas custariam em qualquer tabacaria respeitável. Acendeu os cigarros e deu-lhe as costas. O garçom num misto de surpresa e gagueira não ousou pedir de volta o artefato. Provavelmente olhará mais o formato da moça do que o que continha em suas mãos. A elegância precede o crime.

Retornou como foi. Elegantemente despida de moral, soterrando qualquer provável fio de misericórdia divina em minha alma, e não seria o que talvez fosse apenas um descuido que acumularia em mim a repulsa à aquela fonte inesgotável de saber feminino.

- Assim está melhor, querido? – Que voz suave. Entonação perfeita, cigarros acesos e gosto de desejo pela boca. Antes que eu pudesse falar mesmo um obrigado, retornou avassaladora entregando-me aquele isqueiro de poucos níqueis: - Pronto! Agora você não pode se queixar de não me fornecer um cigarro.

- Como assim? Esse isqueiro é daquele sujeito, não seria de bom tom sair com ele. Imaginou o escândalo que seria se ele pedir de volta? – Como de fato isso poderia me afetar eu não sabia, mas também não queria provar disso. Tinha uma redação inteira que ouvia de mim pontos sobre a conduta moral política do país. Não seria interessante deixar isso de lado. Contudo me sentia extremamente boçal com aquele sermão de avôs. Mais do que depressa segurou em minhas mãos, e o calor de sua pele certamente descongelaria qualquer padre orando em latim.

- Meu querido, eu não pedi pra ficar com ele. Mas o Garçom também não me pediu de volta. Brindemos, fumemos e caminhemos até meu automóvel. Esse hotel por mais delicado e acolhedor que seja não é capaz de nos fornecer muitos momentos inesquecíveis. Sabes guiar?

Que tipo de garota teria um carro, me pediria para guiar em sã consciência, por mais moderna que fosse? Até então apenas grandes artistas, que estávamos acostumados a ver nas matinês guiavam seus próprios carros, em uma realidade tão distante da nossa, que eu não via absolutamente nenhuma gota de razão naquelas palavras. Obviamente, também não êxitei em dizer sim. Seria mais agradável ir motorizado que caminhando em uma noite com pouca brisa. Aquele encontro realmente, não seria o mesmo de outros memoráveis com garotas de reputação duvidosa, mais tão acolhedora como mães em trabalho de parto. Entretanto, dada a modernidade da situação, os goles de champagne, a ansiedade profunda, e a total face do meu estar, poderia eu vislumbrar um futuro com aquela mulher. – Certo! Vamos ao carro. Há tempos não guio, mas não deve ser nada que nos traga preocupações.

Descemos do bar, caminhamos com a imponência que eu jamais havia provado antes. Passo a passo, de braços dados. Tão preciso quanto o horário de um trem britânico, atravessamos o saguão, até que o manobrista entregasse suas chaves. Ela apontando para mim como se fosse eu o príncipe com sorte, o inglês refinado que jamais partilhou de baixas rodas, da cachaça ardente na garganta seca, indicou quem de fato tomaria as mãos sobre o volante. Mais alguns passos, e lá estava. Completamente solto, entre quatro rodas, que o faziam flutuar. Os tons vermelhos e negros, entre a lataria e o estofado, as linhas circulares e o aro reluzente de suas calotas, a energia que pulsava dos faróis como se a vida fosse apenas uma convenção de Deus para você possuir um demônio sobre rodas, e a absoluta magnitude do contorno do chassi, ardentemente captaram minha memória Hollywood-ana. Sentar-me-ia ali, como o sultão, o magnata do petróleo, o abastado e novamente criaria certamente em minha memória, mais uma velha imitação de Clark Cable. De modo que mesmo tendo todos aqueles sinais de euforia nos pulsos, sentando ao confortabilíssimo acento, indaguei a procedência do veiculo. Como alguma mulher que não pertencesse a alta roda teria um carro como aquele, e por que se era de tão fina estirpe, mandaria uma carta convite, à um fracasso como eu, que longe passava das colunas sociais. A resposta veio crua. Em tom de deboche, sacramentando qualquer duvida sobre a existência de Deus.

- É roubado. Simplesmente era de alguém e agora é meu.
- Roubado? Como roubado? Você está brincando com minha cara não é?
- Não, jamais faria isso com você meu querido.

Impressionante a qualidade de paz de espírito que ela trazia, mesmo sob tais circunstancias. Mesmo que em absoluto furtasse a moral do ar de qualquer coroinha. Não causava sequer um olhar de repulsa, pelo contrario, tais assertivas apenas contribuíam para o espanto geral da nação. Se Getulio ainda fosse vivo, certamente compilaria ali uma lei marcial para todas mulheres do mundo, enquanto Prestes, bom Prestes não faria muito. De modo que coloquei em mim a responsabilidade de lhe enviar à normalidade e realidade das leis de direito.

- Escute querida! Eu não posso dirigir um automóvel furtado! Não é certo. É como casar-se com uma freira. Responda-me como eu poderia guiar para você assim?

- Ora, é simples! É como um carro comum, com a primeira, segunda, terceira e quarta marcha. Você se sairá bem.

Como um tiro certeiro no crânio de um animal. Senti, vi, e ouvi, e devo dizer que apenas por sentir, já me causava um grande alvoroço na espinha.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Noites de Cabíria Part II

"Quando o cigarro declinará da boca, e o teu esboço não surgirá de um talvez."


As versões dos fatos não são abruptas, tão pouco propõe um intenso saber do pisque humanista. Onde os fracos não teriam vez eu me via ponto os sapatos para fora, os cabelos a esquentar idéias e a tosse a cuspir meu coração. A única razão de fato era estar a espera. Primeiro de uma estranha. Depois de uma fábula, um baile, uma invenção, ou seria uma composição? Assim que os demônios chacoalhem meu espírito e brotem à sua imagem e semelhança, estaria eu futuramente a escrever livros e obituários. Nada relevante até aqui.


Tipicamente impessoal é o saguão de um hotel. Olha-se para todos os cantos, e sempre soam como iguais. A imparcialidade dos objetos soltos em paredes foscas como se fossem suspensões que nunca deixaram de estar ali, junto à um carpete felpudo em uma variação de branco. De modo que também não se pode esperar muito dos funcionários. Sempre com sorrisos maliciosos, textos feitos, como uma bossa nova revisitada, inevitável deixar-lhes as moscas. Brincar com o primeiro cão sujo que cruzar à frente, ou afagar crianças de estranhos apenas para sentir um pingo de calor humano. É isso ou o alcoolismo.


Já aproximava-se da hora combinada, quando pousei meus olhos nas escadas, e assim como uma raposa impõe seu feitiço fitaram-me dois pés a descer e embevecer a luz. O longo vermelho planava como uma folha solta no outono, a entrada que somente uma rainha poderia ter. E teria, de modo que movi meu esqueleto sem pestanejar. Os sapatos grunhindo nos meus pés cansados de esperar, e a estranha sensação que valeria cada centavo. Algum dia diria "Que você é como um furacão!". O brilho nos olhos inevitável, o suor frio, entre a imaginação fértil de como seria por baixo de tantos véus. Os rumores apenas tonteavam, argumentavam contra meu córtex. De maneira que me colocava como um jovial velho febril. Ela a musa, e eu o compositor. Entre tantos passos não poderiam caber melhores palavras. ,

Os sapatos vermelhos cintilantes contrastavam com as unhas perfeitamente desenhadas, os olhos negros irrigavam os cabelos lisos negros, e só conseguia imaginar o sabor de seu beijo. Desejo, carnalmente abduzido por um copo de uìsque posto para mim ao balcão. Certamente teria de molhar meu bico para ter forças de encarar a multidão com um ser tão acima de minhas capacidades físicas. Como caminhar no escuro se houvesse luz. Ou fantasiosamente, como voar em pleno mar, com os pulmões cuspindo fogo. De fato os meus estavam. Mas não planejava matar ninguém. Acho que nem mesmo poderia matar alguém, era pacato, tímido, e nada simpático.

O entardecer já havia postulado seu tom à algum tempo, uma brisa árida percorria o saguão, e ela estava totalmente envolta em minha presença. Um drink para completar o inicio do primeiro encontro, em copos distintos tudo pareceria mais tranquilo para mim, de maneira que um trago não poderia cortar mais minha garganta, que já não estivesse cortada, ou o ar completar minhas vias aéreas amais do que já me inundara. Ao bar, onde os ricos sempre completam taças de Martinis, os pobres jamais entram, e os preços arrematam todas as carteiras. Não me importa. Importa é o par de estar com ela. A imparidade só se especifica no singular, e isso já sabemos que ela era. Mesmo que o álcool dragasse meu espírito, e certas pílulas desordenassem minha mente, o Texas ainda seria o Texas, e a Riviera francesa ainda estaria lá. Nada existe a ponto de tontear mais. Nada poderia extirpar alem do que meras convenções de tempo e espaço.