segunda-feira, 28 de julho de 2008

Auto Piloto (Parte II)

Naquela altura da vida basear-me no silêncio de nuances assombrosas daquela criatura não parecia ser a opção mais sensata, de fato achava mesmo que não era aquele cenário nada usual e todas as semelhanças e expectativas torpes podiam ao menos convergir mais do que confundir. Obviamente seria um desastre, já era um desastre. Não sei se fui eu, ou se fora ela, quem em absoluto paradoxo imaginário contribuirá para a noite ser tão milimetricamente produtiva, naquela altura já não importavam mais se as mães da invenção eram mesmo conceituais, ou se as pipas de seus avós não sobem mais, de modo que era intrigantemente doloroso pensar, não havia o porquê, mas sim havia esse coeficiente de dor, como se minha cabeça tivesse sido arrancada e meus miolos expostos à qualquer tipo de radiação energética. Por sinal imaginei que seria mais interessante para eu voltar ao meu apartamento, pegar um belo café forte e maltratar minhas cordas vocais com quilos de cocaína, porém estava mais para um anão se reação sob um gigante, do que qualquer grande pugilista esmurrando seu oponente.

- Por que disse que alguém fez merda? O que isso significa pra você moça?

- Ora doutor, eu não tenho todas as respostas do mundo, tão pouco tenho medo de perder meu tempo, tenho todo tempo do mundo agora, adoraria embarcar nessa desestimulante conversa, mas não seria menos obvia não é? - Estava tão absoluta de si, que era difícil não pensar que teria sido uma grande virada de mesa, seria sim, muito absurdo pensar isso, mas de fato, ela tinha mais controle sobre minha curiosidade do que eu próprio.

- Querida, só idiotas respondem perguntas com outras! Diga-me, quem fez merda?

Ela caminhava até o banheiro, e seus passos não pareciam muito coerentes, um certo desequilíbrio alcoolista estava sim preso naquele corpo belo, sim, pouco me importavam agora as perspectivas de seu corpo, era singularmente curioso o absoluto temor que aquela voz me causava, como se as portas do apartamento sempre dormirem abertas, janelas desprovidas de trancas e demais apetrechos, como se minha arma não bastasse para me defender, e foi ai que ela se virou, com os olhos mais verdes que eu podia ver, um verde tão claro que parecia não ter cor.

- Não sou eu quem tem que responder suas perguntas, o senhor tem capacidade pra isso, teve capacidade para vir ate aqui, capacidade para distinguir o que é certo do que seria errado né. Eu só posso dizer que nem a policia, nem mesmo a dona do apartamento, poderá explicar nossa conversa. Mas sinceramente querido. Essa arma não é minha, eu só assisti ao que às vezes já me fizeram. - Voltando-se à sua poltrona.

É não posso negar que aquilo estava cansativo, que toda aquela transpiração ia alem dos garotos com problemas sexuais que eu tinha de tratar, longe das madames divorciadas tristes por que seus cães não recebem carinho, estava mais disforme que qualquer saco plástico, do modo como parecia a situação eu não vazia alguma idéia de como seria o fim de tudo, claro nunca acreditei num fim, mas aquilo era ridículo, era ela quem forçosamente necessitava de auxilio, e eu imbecilmente não conseguia sequer manter um dialogo inteligente, apenas as obvias perguntas, como se eu soubesse o que era, mas me esquivasse da realidade. Que realidade? Eu me indagava. Precisava de mais um cigarro. Acendi o ultimo filho da puta que acabara com meus pulmões, fui ate a porta me encostei nela, pensei e repensei uma frase e independente de ter pensado bem me expus a toda:

- Certo, eu respondo! Você estava aqui com teu amante! Ia tudo bem ate vocês se desentenderem, e sim deu em merda. Ele te deu um tapa, você caiu ao chão, puxou o lençol consigo, quando levantou a discussão permaneceu e houve luta. Novamente ele tentou te bater e você se defendeu, não mediu bem sua força, o matou e escondeu o corpo na banheira! Logo após sentou-se ai e gritou, com absoluto espanto. - Dei uma forte tragada, certo da grande babaquice que tinha dito e pronto para ser confrontado, ao menos aquilo seria algo mais próximo de um dialogo real, já que ela não falava coisa com coisa.

Era interessante como seus olhos reagiram às minhas palavras, como as mãos começaram a suar e o brilho era tão grato a mim que me senti quase como um santo.

- Nossa! Como eu sou má! Sabe, eu não imaginava que era capaz de produzir provas tão facilmente contra mim, e desculpe mais você não é o tipo correto de pessoa pra me julgar, claro, acertou uma peça, faltou o contorno do mosaico.

- Acertei? - Corri imediatamente ao banheiro, olhei o cubículo e ao fundo existia a banheira, os azulejos brancos, estava bem mais amarelado agora seu tom, uma cortina qual eu conhecia bem separavam a mim da banheira, fiquei imóvel alguns segundos, busquei alguns rastros de sangue e nada. Ela ria, mais ria tão irritantemente que de uma vez só puxei a cortina. Nada alem da perda da minha dignidade! Como pude ser tão inocente, teria sido fácil demais acertar jogando uma bobagem daquela. Mas por sua vez, por que ela iria falar que acertei uma peça de um mosaico? Aquilo soou tão realista. Sai do banheiro e pensei no próximo passo que daria naquele xadrez. Prossegui: - É realmente faltou uma parte, acho que a policia não terá problemas para resolver essa parte, estou indo embora, caso precisem de mim, que liguem no horário comercial, tenho atividades logo cedo. Preciso descansar, ate logo!

Ao pronunciar meu ate logo corrompi uma máxima minha, nunca utilizava o artifício de "desistir para ganhar", esse tipo de psicologia infantil me deixava muito nervoso e era pouco eficiente. Era sempre mais fácil confrontar, como diria sua avó, puxar a língua do paciente e dai sim, partir para um analise, entretanto funcionou mais uma vez, não da forma como eu esperava, mas de algum modo ela disse mais uma frase que em mim fez mais sentido pessoalmente do que ao caso dela.

- Dizem os religiosos, "Que descanse em paz!". Deve ser bem produtivo o ócio para essas pessoas. - Acendeu mais um dos muitos cigarros assassinados naquela noite.

- De fato minha cara, todos somos lesmas preguiçosas que procuram comer para morrer cheio, não e a toa que oferecem uma ultima refeição.

- Foi por isso que o senhor comeu antes de nos encontrarmos?

- Não. Isso é mais uma ameaça? Tenho o dobro do seu peso menina! Acho que não seria muito justo da sua parte tentar-me agredir. Seria mais interessante mantermos o mínimo possível ate a policia chegar.

Ela retrucou: - Achei que o senhor estava de saída. Tão bobo, quase como um adolescente procurando cerveja.

Não poderia não rir daquela frase, ou da constatação dela de que eu sim estava mais para uma vitima da sagacidade do pensamento dela do que propriamente de uma analise precisa. Como pude me perder tanto em coisas tão simples! Que imbecil eu estava, bêbado de sono, com dor de cabeça, intrigado, frustrado, torpemente enganado pelo meu objeto de estudo. Como eu poderia parar de pensar naquilo, como me salvaria? Não saberia dizer, nem ela pelo visto, pondo-me a pensar que ela só me fornecia evasivas, tão acida quanto um abacaxi escorrendo na boca, todos esses minutos ainda assim me pareciam horas, e todas essas horas se resumiam em segundos, quem disse que é fácil ir para o inferno mentiu.

Estava eu mais confuso. Primeiro ela tentara confundir, jogando que ali era meu sangue, depois tentara dizer que sim eu acertei em minhas proposições, quando tudo, tanto seu quanto meu, não passou de uma pequena fabrica de brinquedos. Distraídos poderiam sim ver menos do que caberia a uma leitura mais definitiva daquela mulher, eu poderia ter feito isso e não fiz não me pergunte o porquê, as sirenes tocavam e todo o bairro parecia estar já acordado, eu queria alguns minutos amais, necessitava de mais horas com ela. Queria sexo, queria a atenção, queria entender ela, já estava em um turbilhão tão pesado que se saísse agora não conseguiria voltar e me concentrar em outras coisas. Aquela mulher tinha de ser minha de alguma forma, seja a sua psique, seja o seu corpo. Explicariam isso caso eu fosse um seqüestrado, mas naquela situação era mais do que apenas uma atração simples, não saberia como explicar. Talvez eu precisasse morder aquela carne sentir o sabor de sangue escorrendo por meus dentes, e sugar o resto de vida dela para mim. Tão ferozmente quanto um animal pode ser. Rasgar aquelas idéias com minhas unhas e fincar no coração de outrem a frustração de ela me transmitira.

Não pensei duas vezes, ao primeiro sinal de sirenes, lhe pedi desculpas, sai para sala e busquei a porta! Aquela senhora gorda estava entrando, e também não pensei duas vezes! Dei-lhe de presente um belo soco no nariz que a fez recuar com todo aquele peso longe de mim. Tranquei e dei-lhe as costas, a ouvia gritar e dar algumas batidas à porta. Passei para o quarto e fiz a mesma coisa! Transpassei a chave ao trinco, e girei como num orgasmo, em uma desorientação perfeitamente não explicada.

- Sim estamos sós e você ira me dar respostas. Por que para mim de ajudar você tem de me ajudar! Eu quero, e eu necessito disso, para mim já não bastam essas evasivas, já gastamos muito tempo aqui. Diga-me, o que ocorreu? Como Estou inundado de sangue, como você pode estar morta? E porque dessa minha curiosidade? Se for eu quem morreu a policia não terá problemas para abrir a porta, se tiverem dificuldades é sim por que eu não estou morto, logo tão pouco você sua louca!

terça-feira, 15 de julho de 2008

9:00 am.

Engraçado como o dia tava frio, relativo sol, e frio. As juntas já amanheceram doendo por aquele podre infeliz, uísque, lolitas e uma dosagem de sono perdido poderiam levá-lo ao médico diariamente para um tratamento intensivo. O anonimato, a nicotina, o álcool e todos aqueles meses de insônia perdidos, já eram por si só mais do que uns meros motivos para lidar consigo, de modo que a terapia de controle de raiva fora muito bem aplicada pelo meritíssimo. Por um lado, ele vivia a vida gritando, urrando, recebendo alguns afagos nos cabelos e dosando alguns pequenos problemas como qualquer mortal. Vivia em um apartamento nos arredores do centro da cidade, e não via muitos motivos para deixar de ser punk, ou mod, ou rock, ou quem sabe modfucker. O tempo já tinha roubado algumas bobas alegrias e delegado competência a outras. A terapia era necessária.

O consultório situado em uma avenida movimentada na parte sul da cidade, na verdade uma casa, que poderia ser o abrigo de qualquer bem abastado sujeito daquele antro de baratas, dizem que no calor elas caminham mais rápido! Bom aqui isso era testado e aprovado. A casa era velha por definição, mas como diria suas avós, nobres de coração, "Grande merda!", ele sempre pensava, de modo que chegou seu dia de visita, quase um tormento penitenciário, quase uma ancora nas rodas de um opala 73. Hoje particularmente vazio, não saberia dizer se dado ao horário ou dado ao fracasso de dignidade de sua terapeuta. Claro, boas pessoas tendem a cometer erros de dignidade, isso é um fato, de maneira a preservar os bons costumes ele ainda a tinha como amiga, factualmente era, intelectualmente era, pessoalmente também, mas somente pelas receitas de drogas ele ainda visitava a terapia.

As 9:00 am era sua consulta, e chegara as 9:45 am. Irritado, um frio, certo que a sensação térmica não poderia passar de alguns míseros 20 graus, e por definição nada congelante. Infelizmente ou felizmente esse ser é dado à culturas infundadas, praticas forenses impraticáveis e varias e varias cansativas, ou não, viagens ao cerne de seu universo. Entrou ao consultório e foi logo dizendo de maneira agitada e pouco hostil:

- Pode tirar as mãos do bolso e assinar a receita, eu mesmo vou preenchendo no caminho da farmácia!

- João. Não posso, mesmo sendo sua amiga, deixar você se drogar assim. Você sabe que as coisas não funcionam assim.

Claro que sabia. Claro que fazia aquilo apenas pra irritá-la, assim como se auto-convidava sempre pra quebrar os joelhos dos desafetos dela.

- Ok. Eu vou me sentar e você preenche mais rápido senão vou perder a hora.

-Perder a hora de que? De mofar em casa mais uma vez? João você já passou por isso outras vezes, e bem sabe que não é a melhor coisa a se pensar. - A tranqüilidade dela nunca foi uma virtude, era mais para ironia mesmo.

- Certo, certo, atire no cachorro morto. É mais fácil assim! - Sorriu e sacou um cigarro do seu bolso no peito, acendeu, e prosseguiu: - Sério querida, me passa aquele remédio bom para dormir, ando dormindo mal. Muito mau.

- João você dorme mal desde que eu te conheço, não vão ser os remédios que vão te dar sono. Por que você não procura uma amante? - Que sorriso maldoso, seria mais fácil não ter dito aquilo.

- Ah claro, você bem sabe que ao contrário de você, eu sempre preferi Strippers, seios maiores, mais bem treinadas, e o mais importante, pagamos pra não passarem a noite conosco. Quer um Go Go boy?

As risadas já estavam bem altas, de modo que a atendente ligou perguntando se tudo estava bem, respondendo que tudo estava nos conformes ainda pediu à pobre que trouxesse dois cafés amargos. Aquela situação era mais normal do que pudesse parecer, é algo que eu sempre penso nunca se trate com amigos, àquele infeliz nunca me ouviu.

- Olha o café ta chegando, então me dá um cigarro porque os meus já eram João. Hoje acordei tão atrasada que não consegui nem comprar um maço.

- Te dou o cigarro se você me der de presente a sua secretária. - O machismo e a peculiaridade com que contava fácil, o numero de risadas era de maneira impressionante. - Ela parece ser simpática.

- Até te daria ela, mas antes alguém tem que combinar com ela né? - Como aquela peste ria. - João falando sério, você sabe que eu sou péssima como cupido. Sou melhor terapeuta.

- Ah sim, só não de si mesma né. A julgar pelos teus últimos casos você ta pior que eu.

- Você bebeu? - Com um ar de escândalo, confuso com o natural ar de cinismo.

- Não mais do que costumo beber de manha. Hoje tá frio né?

- Frio? Desde quando? Queria mesmo era me mudar, quem sabe assim eu pudesse sentir frio. Sabe andei pensando que me mudar talvez fizesse bem a mim, talvez eu conseguisse me livrar desses demônios de ex-rolos que tenho.

Levantou-se, e buscou a janela, fitou-a com os olhos e lhe respondeu.

- Já lhe disse mais de uma vez, você só se interessa por tipo estranhos de homens. Como quer uma relação se ainda está presa nos teus velhos delitos amorosos?

- Ei quem tem que te avaliar aqui sou eu, lembra?

- Ah claro, só por que uma safada me condenou por jogar uma garrafa em um cara não faz de mim um criminoso faz? Vai saber né, sou perigoso, ou altamente volátil. - Acendera outro cigarro e sentara, o café chegou amargo como sempre.

- Não que isso, você é um doce de pessoa João, é tão inseguro e tão bonzinho quanto uma menininha de 18 anos. Faz me rir!

- É pra te fazer rir, ou pra te arranjar um namorado? Ainda não entendi, falta da cafeína sabe.

As risadas e bons tratos corriam soltos com a imagem do xadrez emoldurado na parede do consultório, poderiam ficar ali, horas e mais horas, dias e dias, conversas que não cessam fácil são sempre difíceis de se acabar, e amizades tão perversas, diabólicas e venenosas quanto aquela muito agradáveis pra se parar de uma vez. Ela assinou sua receita, e lhe deu em mãos, um beijo na face, e quando ele estava saindo ela proferiu suas ultimas palavras:

- Ei, João! Bom dia faz bem quando dito no inicio de uma conversa viu!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Auto piloto (Parte I)



O quarto cheio de fumaça, os cinzeiros amplamente qualificados, quantitativamente. Ao lado da cama, um livro entre aberto, gotas do que parecia remeter ao suor de uma noite amorosa embalada a conhaque, rum, champagne ou qualquer bebida. A marca dos cigarros revelada ao cinzeiro e o modo como ele queimou seguro no descanso do mesmo, partilhavam da falta de tempo, ou do excesso de exagero desprendido na noite. A parede com sua tintura bordô combinava exatamente com a textura do assoalho, a diferença era o marrom infiltrado no mesmo. No canto a descrição exaltada do pavor e da superioridade, um misto de medo, terror e abruptos toques de desprezo. Ela estava sentada em uma cadeira, dessas de balanço, de modo que o gestual compreendia toda a situação, até um cego enxergaria, as pernas sobre o acento envoltas por teus delicados braços, o olhar fixo aos lençóis soltos ao chão, cabelos de quem não dormira muito, a pele antes provavelmente vigorosa, agora num tom tão branco quanto poderia estar sobrancelhas rígidas, um tanto misteriosas, as mãos de unhas feitas sujas de sangue, gozadamente entrelaçadas, fomentaram-me os pensamentos necessários para beber mais um pouco.

Aqui já não se tratava apenas de mais um dos milhares de outros amores perdidos, ou tão pouco de apenas mais um entre tantos lunáticos que existem em qualquer periferia. Não, ela estava longe da parte suja da cidade, longe de ter alguém morto no quarto, longe de poder consumir aos pedaços a carne de todo aquele sangue, de fato, havia muito sangue. Não sei exatamente por que fui eu a ser chamado ao invés de um médico, ou mesmo a policia, seria mais interessante chamar um psiquiatra vizinho do que qualquer autoridade, pelo que consta, ao que tudo indicava era um fato meramente criminal, eu apenas tratava de insones, país e filhos rebeldes, não necessariamente nessa ordem. Mulheres desquitadas, e filhos absorvidos por vícios seria mais interessante pra mim do que todo aquele sangue, toda aquela estranheza de estar naquele cenário. Ninguém se importa em perturbar um vizinho no meio da noite? Essa era uma pergunta a ser feita para aquela senhora gorda que tocou minha campainha quando ouviu o grito. Realmente obesa, eu a trataria facilmente, ganharia um troco, e ela ainda iria me chamar de grande doutor. Claro. Obviamente inteligência não deve ser uma constante para ela, e a frustração e ansiedade a dominam tanto que é mais fácil estar acordada durante a madrugada em salas de chat do que assumir a culpa sobre o seu pecado, seja lá ele qual for. Amenidades pelo amor de deus era o que eu pediria a ele se o conhecesse, ou acreditasse na fé de gente gorda como ela. Bom o fato é que ao adentrar ao território sombrio daquele apartamento extremamente limpo, e o sexismo a tratar daquela vizinha que sim era bem interessante me fez ouvir a senhora "transtorno alimentar". Entrei e confesso não ouvi sequer uma palavra das mil ditas por aquela senhora, tamanho era meu sono, desdém e preguiça, enfim, cheguei-me mais perto da donzela e seus braços envoltos nas pernas, e que pernas eram aquelas deus.

Virei-me dizendo para aquela senhora que era a figura mais próxima da dona da casa que eu poderia contar:

- Será que eu posso usar o banheiro para lavar o rosto?

- Vá em frente meu filho, deus seja louvado por você estar aqui! - Absolutamente insana aquela mulher, o que teria Deus haver com ela me acordar no meio da noite por ouvir um único grito, afinal era só aquilo que ela me dizia se fossem abstraídos todos os gritos, onomatopéias, gemidos e "ai meu deus" pronunciados por aquela boca que seria capaz de me abocanhar vivo como uma tarântula.

Respondi educadamente claro. Lavei o rosto dei uma rápida olhada nas duas primeiras gavetas entre abertas da suíte, e retornei. Caminhei até o cinzeiro, procurando não encostar muito nos objetos ao chão, ou mesmo tocar nas cobertas, chegando bem próximo ao cinzeiro ela grunhiu, o que parecia não ser um bom sinal. Olhei ao lado do cinzeiro e o maço estava ali bem colocado simetricamente com o isqueiro, maço novo somente dois ou três cigarros disparados para os pulmões. Apanhei um, e sentei-me ao chão. Dei uma rápida olhada em suas vestes noturnas, na janela fechada e procurei algo que indicasse alguma coisa concreta.

- Seria melhor ligar para a policia não senhora? - Arqueando uma das minhas sobrancelhas.

- Sim eu já ia fazer isso, ainda bem que sou a proprietária do imóvel e tenho uma copia da chave, senão como saberíamos disso, meu deus! A coitadinha não consegue nem falar, tamanho deve ter sido o estresse sofrido. - Disse isso segurando suas saias, como se fosse expelir um feto do meio das pernas, ou algo pior, vá por mim meu caro, poucas coisas seriam mais bizarras.

- Que bom pra essa moça né?! Não me esqueça disso quando eu tiver que mudar de apartamento. Agora a senhora pode por caridade ligar para a policia, ou eu mesmo ligo?

E foi o prazo das palavras saltarem da minha boca e aquele que um dia fora um pequeno e brilhante rebento dizer não.

- Nada de policia, nada de policia, nada de policia, nada de policia, nada de policia... - e assim repetiu varias e varias vezes em baixo tom, com um cintilar invejável a muitos brasileiros.

A senhora gorda não sabia absolutamente o que fazer, ficou ali estática, completamente entorpecida, imaginei logo que aquela noite provavelmente demoraria a passar. Levantei-me dei um trago ao cigarro, e pedi para aquela senhora fazer o combinado fora dali, realmente a moça estava longe de conquistar alguma argumentação com aquela seqüência sonora. Saiu, e por mais idiota que pareça fechou a porta.



Sentei-me ao chão novamente inclinado a conversar com aquela moça, o ar de pavor, com um misto de satisfação e a incrível quantidade de sangue que havia no quarto sem nenhuma gota em seu corpo, intrigavam-me. Claro não era um detetive de policia e sequer queria ser, mas de fato era intrigante todo aquele alarde. A primeira pergunta que eu fiz afim de testar o nível emocional da dama fora simples e direta: - Quem é a senhora? - seguido de um comovente silencio, quase dava para ouvir os grilos e ratos caminhando e dançando pela cidade, de modo que prossegui:


- Senhora, por favor, diga-me seu nome? Existe alguém que eu deva ligar em que à senhora confie?


Ela se moveu, fitou-me com os olhos, abaixou a cabeça e sorriu. Passou as mãos pelos cabelos e acendera um cigarro. "Mas por que diabos ela vai fumar?" me perguntava a todo instante, quando comecei a pronunciar a minha próxima sentença ela enfim falou.


- Não importa quem sou eu, ou quem é você se não existe mais um futuro. - Seus olhos tão secos e a voz tão suave que não fazia qualquer sentido tamanho pessimismo. Nada seria muito real naquela frase, nem a situação que ela estava se tornara real.


- Mas senhora, como o futuro não existe? Não estamos aqui e a cada minuto que passa já se é passado? Logo já temos um futuro.


- Não, não temos nenhum futuro se não o pos morte. Aquele onde você se encontra com o criador e ele lhe fará uma pergunta simples, "Você é feliz?", e assim que você responder irá ao reino do inferno, pois ninguém na terra seria merecedor do céu.
Aquelas realmente me davam um alento, enfim aquela criatura falava, enfim dizia ao menos uma sandice, assim seria mais fácil chamá-la de louca futuramente. Mesmo assim, resolvi a responder a questão.


- Senhora acho que Deus ou o Diabo tem coisas mais importantes para pensar, se é que pensam do que e nós viciados e problemáticos na terra, e mesmo que estivessem tramando um jogo mortal para definir bons ou maus, qual seria a necessidade? Dado ao caráter humano, não teríamos nem chance de fazermos valer por um sentido. Só me diga. A senhora esta bem?


- Nem eu nem você estamos bem, e você sabe disso!!!! – Ela falou de forma tão convincente que quase imaginei que estava falando sério.


- Certo, mas não sei, sei que fui acordado ao meio da noite, vim pra cá e me deparei com a senhora, e seu quarto cheio de sangue. – Acendi mais um cigarro e confesso que não estava mais me divertindo ou me interessando por aquilo tudo.


- Não! Você nem sabe que está morto. Se prendeu tanto a esse envoltório que não percebe as coisas que acontecem em sua volta, é inevitável meu querida, você não tem mais futuro, agora somente perambular será sua vocação. Levantou-se de maneira a fazer-se valer como pessoa, nem parecia mais aquela criatura tão atordoada. Retornei-lhe com uma questão, dado ao nível de baboseiras que ela dizia.



- Ora se eu estou morto, o que faço aqui nesse apartamento, e como falo com você?


- Simples, eu já estou aqui a muitos anos, passei-me da mesma forma que você, toquei-me por dentro como as cordas exercem a força sobre um piano. Vê, eu sei mais que você. Como alguém com aquele nível de beleza poderia ser tão louca? Não fazia o menor sentido.



- Querida entenda que você esta sofrendo de um estresse pós-trauma, então é normal que seu nível de realidade esteja alterado. Vou até meu apartamento e pegarei uns comprimidos que farão você se sentir bem melhor.



- Se quer pegar algo porque não vai até o banheiro? –Disse-me ela de sobre salto.


- Não vejo motivos, mas se a senhora guarda medicamentos aqui, tudo bem.


Caminhei ate o banheiro abri a primeira gaveta que vi e lá estava, uma dúzia de medicamentos, quase fiz piada sobre serem iguais aos que eu tinha ao banheiro. Retornei e ela estava posta de pé, olhar fixo para fora da janela, nem sequer esperou-me falar algo e virou-se para mim dizendo:



- Que sangue é esse nas tuas roupas e mãos?



Rapidamente olhei, estava inundado de sangue.


- Não faço idéia, devo ter passado sem querer as mãos no lençol e me sujei. Droga! Vou ter que explicar para a policia isso.


- Não vai não. Esse sangue é seu, acredite.


Aquele sorriso dela estava quase me irritando, a situação desconfortável, a beleza de antes já estava sendo precedida por uma agonia terrível, fora a dor de cabeça, pensava “Por que diabos não pedi um café para aquela gorducha!”. E ela ainda prosseguiu:


- Você está em casa, e sabe a dor de cabeça é por culpa sua, boboca. – Seu riso era tão insuportável nesse momento que quase dei lhe as costas. – Você era tão bonito! Pena que não é mais, e agora por bem poderemos nos falar mais.


- Espero sinceramente que não senhora. A sua companhia me faria muito mal.
Caminhou ate a mim, cada passo dado me era uma sensação nova. Nem mesmo a quantidade de cocaína que eu usava era tão intensa quanto aquele trote da moça, minhas mãos tremiam, e minhas pernas incrivelmente bambas.


- Querido, olhe em volta, você sabe do que eu falo, sabe de cada passo, onde está cada coisa, e o mais importante, sabe da arma.


- Que arma? Que arma? – Já estava eu quase descontrolado.


- Só idiotas responde com outra pergunta, e você não é idiota. Me diga querido, onde guarda sua arma?


- Eu não tenho arma. – Disse lhe fitando a verdade.


- Claro que tem. Fica na cabeceira da cama todo dia, você teme que algum cliente volte para te matar. Não tente negar o obvio.
Nesse momento, e poucas vezes na vida, eu sentira esse medo, eu sentira o arrepio daquelas palavras. E ela continuou.


- Onde deixou sua arma? Você sabe onde está! Sabe que usou-a hoje, logo depois do seu ultimo copo. Você sabe onde ela está vamos diga! Assuma o fato homem!
Ela era tão imperativa que foi como cometer suicídio negar.


- Droga! Está na cama porra! Como você sabia disso? Eu não cheguei a usar ela hoje, vim aqui para te socorrer.


- Engraçado então eu te socorri? – A mesma risada idiota, ela dizia com tanta clareza que simplesmente seria difícil negar qualquer coisa.


- Ao que parece foi né?


Coloquei as mãos na cabeça, respirei fundo, mas o ar não chegava, a dor de cabeça estava demasiadamente forte.


- É eu acho que alguém fez uma besteira doutor. – caminhou ate mim, colocou as mãos sobre meus ombros, e como se fosse continuar a falar, calou-se.












sexta-feira, 4 de julho de 2008

Experiência de Blues através da alma





Plano alto como o Albatroz,
Envolto tempestades infinitas,
Vôo com a luz presa entre o bico,
Pedras que cortam não abrem meus caminhos!
Ecos sobre meu céu profundo,
Onde meus gritos voam despidos,
Atravessando a alma,
Distante e sinuoso como o leito do rio!
Lagrimas discretas diante do blues,
E um cigarro aceso em cada braço,
No tormento de não poder falar alto,
Por onde o espírito caminha solitário!
Toco o pulso que pulsa meu tempo,
Onde meus gritos ecoam teu silêncio,
Experimentar ao longo da alma,
Um gosto novo de um velho sentido,
Do calor eterno a cada face,
No andar do tempo ou do meu destino!



* Trecho da Ópera rock "Cabaré de Cego" by Marcus Müller; Mov 24º;

quinta-feira, 3 de julho de 2008

A Espera do Sol...


Sob a sombra de um coqueiro, qualidades desproporcionais à do wayfarer adivinhando a paisagem. As botas enfiadas na areia, a tatuagem cozinhando dentro da blusa negra, a pele borbulhando o tesão da temporada. Sobre a terra paradisíaca, sobre o vento esguio e as temporas sambando, nada poderia ser dito ou arqueado, nem mesmo os boulevares de Francisco de Assis seriam densos ou pequenos, ou mesmo que você não entenda, admiráveis. Mod punk, funky, qualquer bagagem que tenha aparecido em tua vida, esse é o período que se põe a pensar, pesar, medir e comprimir qualquer qualidade ou defeito. A noite pondo-se a sussurrar o que o dia de amanha trará, trataria de qualquer uma das esperas cósmicas do sol, mas não passaria da próxima loja na esquina, empoeirando os lps, livros e costumes aglomerados dentro do espaço. A faísca do isqueiro provocaria certamente um desastre, assim como os riscos brancos no espelho cavariam mais e mais detalhes de uma travessia, de modo que eu, bem, eu estava ali, dizendo "Eu te amo!", "Eu superestimo...", adjetivos não deveriam serem postados por mim, mas o ponto é, estava sim esperando o sol.

Quando o ultimo brilho lunar cutucou as botas, meus braços já estavam postos ao céu, minha cabeça escorada no coqueiro, e sob o chão e eu uma areia irritantemente desconfortável. Alguma coisa que eu pudesse querer estaria apenas cortando minha carne, e eu sem me importar sangraria. Minha face sempre mostra o que não é natural, ou real. E muitos e muitos dias passariam com segundos entre o ultimo raio lunar, e o primeiro respiro solar. Nunca, mesmo eu sentira de fato que não estava fodido, mas entre um espaço de histórias, um cataclisma mundial, ou uma lembrança vaga, eu provavelmente estaria na ultima escolha. Nada é rígido ou fixo demais a ponto de assustar, mentiras são mais sinceras do que você possa pensar, e a velocidade com que elas escapam, fazem de um monte possuído pelo demônio, um carneiro obcecado pelo lobo. Ocasionalmente, eu sentiria que fosse meu próprio amigo, sem o auxilio dela eu perpetuaria andando pelas ruas, festas, esquinas, apenas como mais um a ser conquistado pela hype moderna da futura geração. Nada vai me fazer lembrar mais desses segundos que as constatações memoráveis que poderia ter, ou tive.

Mesmo com os olhos fechados, ou as sobracelhas arqueadas, mesmo no escuro de óculos escuro, o poder de meus braços era de fato muito mais elegantes que o poder de meu espírito. Alguém um dia sussurrou isso ao meu ouvido, disse em alto tom, em boa pratica, em magnífica nobreza de que "...Quebram os ossos, cortam a carne, mas o espírito continuará vivo.", sim é uma grande bobagem, tanto o meu quanto o seu espírito esta vivo contigo, futuro nunca se sabe, deuses compactuariam com isso, se de fato a mitologia existisse, se de modo obsceno as ninfas convergissem ao monte. Naquele momento o que importaria eram as crônicas, as lembranças, mesmo que poucas fossem boas, mesmo que muitas fossem de erros, elas guiam e guiariam à importância do sentido da vida. Esperar é sempre tarde demais, ou tentar explicar sua existência é sempre patético demais quando se pode estar nu na chuva. A maresia, o ar, o ultimo sepulcro ainda demoraria a chegar, e mesmo que eu bêbado viesse a compactuar com isso, estaria por me adjetivar, adjetivos nunca são bons, assim como idosos nunca são bons, entre demais criaturas que passeiam pela terra, dentre saltos e pimentas vermelhas picantes nos olhos.

As explicações seriam simples se o sol não demorasse mais a chegar, e o abismo entre você e eu, seria definitivamente não milhões de jardas, mas poucos centímetros. Rápido algoz, eu não tenho todos os centímetros do mundo, nem mais de uma boca pra alimentar. Esperar o surgimento do sol pode ser uma eternidade quando teus braços estão irredutíveis, suas pernas imóveis, e você sentindo a circulação do sangue ao corpo. Todo e qualquer controle que poderia ter existindo por um brilho que começa tímido, apagando os postes, caminhando do horizonte para cima, um mar que bem poderia ser tocável entre você e a imagem das centelhas de fogo. É meu caro, desde a ultima experiência ate a próxima, a saída de emergência estará bem, mas muito bem trancada. É assim, até que se forme o novo carnaval, ou até o próximo policial te levantar, ou os Para-médicos te cegarem. Adormecer talvez fosse necessário, dizem que dez dias sem dormir matam.