sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Café, Dylan e cigarros...


Que desejos são esses que aparentam o juízo final? Onde todos os demonios se escondem dentro de uma caneca de café. milhares de notas por segundo, um trago profundo, vários conhaques, bourbons... À flor da pele, quando os riscos dosam entre si partes ínfimas de um intimo misterioso. Novamente João Gilberto se via ali, sem jogar futebol, sem amigos pra sair, sem Juliette, sem Cristhine. Fraco como galinhas d'angola, caindo como um zeppelin de chumbo, insaciável em seu eletromotor, enfim. Óculos escuros Wayfarer no rosto, uma camisa gola role, calças justas em meio à uma bota cano curto preta simples, segurava em uma das mãos seu cigarro, o único toque intimo que teve em muitos dias. Sobre a mesa, sua xícara de café forte, tão negro e encorpado como ele nunca poderia ser, além de um livreto sobre as ruas históricas da cidade, entre-aberto, com paginas marcadas, que nem mesmo o Sr Gilberto saberia responder o por que. Sentia-se um misto de Ss com o seu caboclo guia, era como se colhia lírios e junto destroçava qualquer resquicio de afeto que já tivera. Foi quando Margô apareceu, trazia consigo um sorriso inebriante, que entontecia a mente pouco sã de qualquer infeliz, cabelos longos, pele rosada, saudável. Seu vestido de tão leve e suave parecia deslizar rodeado pelo vento, aguardou uns instantes por sua mesa, e sentou-se.


A troca de olhares tornou-se uma espécie de jogo, onde nenhum deles parecia se preocupar em ganhar, a consistência estava absurdamente jogada para fora desse dialogo, apenas pareciam se preocupar em visões, jamais palavras. Para que iriam querer palavras, se absolutamente tudo que gostariam de dizer estava implícito nos olhares, um misto de prazer e angustia tomava o peito de cada um, a incerteza e a falta completa de segurança paupavel assustava ao ponto de não saberem onde colocar as mãos, não queriam algo paupavel, estavam preocupados demais para isso, pareciam como dois canários mudos, nem um pio.


A avaliação do espaço, do carpete aveludado até os poucos quadros colocados na parede, não era mais uma abstracção, viviam agora e se interessavam agora a nada mais que aqueles poucos segundos em que cruzaram os olhares, somente seus olhos eram capazes de expressar o intimo do imaginário de cada um, Margô, absoluta em seus pensamentos, e Gilberto, omnipotente de si. Quando aquele momento antes de se tomar coragem e ir ate a outra mesa chegou, ambos estavam tão seguros de si, tão radiantes de que ali encontrara a catalisador de seus motores que já não se preocupavam com suas mazelas, com os seus banzos, nada mais ligava. A sensação presente não mais de saudade de si mesmo, tomava o corpo como em um campo de batalha, centímetro à centímetro, como uma luta entre exércitos, travada de homem à homem, e sabiam que quando explodisse a ultima bomba seria o momento de êxtase, onde nada mais poderia parar.


Tocava Dylan, Girl From The North, os acordes foram pulsando ainda mais forte nos ouvidos já surdos à todo o resto, a voz nasalada de Dylan tornara o conversor na linguagem dos dois, a cada verso que se passava era apenas a musica e eles, eles e as mesas, as mesas à alguns passos de suas pródigas lições. Dylan cantou naquele dia como nunca, sentiram estocadas no peito e a luz de sua canção já não havia mais mesas ou passos entre as suas emoções, quando entrou Jonnhy Cash o brilho no olhar se transformara em lágrimas, as mãos geladas em fortes pás, pelas quais cavaram fundo e mais fundo sua satisfação, Cash ultrapassou os limites de sua voz naquele dia, com o coração na boca, transformou Dylan, Margô e Gilberto em expectadores de seu amor por Juner Carter. Com Girl From The North o êxtase atingiu limites que a excitação não vê, limites que cigarros e seus tragos apenas faziam imaginar.

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