sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Auto Piloto (Parte III)

O que mais eu poderia ter feito? Aquela mulher mexeu com tudo que eu poderia julgar sadio. Como eu poderia estar tão confuso, e como tantas palavras poderiam prensar de uma só vez na minha cabeça uma convulsão tão grande? Estava ansioso pela resposta dela, tinha de valer a pena, tinha de ser merecedora do processo que eu iria sofrer de todo aquele caos que eu criei.

Só aguardava e nem sequer esboçava algum rabisco labial. Seria tão mais fácil se eu não tivesse ido até ali! Poderia estar dormindo, roncando, sonhando acordado com estralas pornôs e cânticos evangélicos que não faria mais mal do que aquela espera. Eu poderia extrair todos os dentes da boca, fazer mil lavagens intestinais, escrever mil sonetos, estudar toda a constituição brasileira, que seria menos moral do que aquela espera, ainda mais de como ela fora interrompida. Em bom e alto som, ela pronunciou as palavras mais sensatas que poderia ter pronunciado para mim.

- Sabe, sempre acho engraçado quando vemos aquilo que queremos ver. Como quando estamos apaixonados. Ligamos o piloto automático e deixamos tudo girar, compramos batons, pós, brincos e vestidos, nos enfeitamos pro outro quando o que mais importa somos nós mesmos. Sempre achei engraçado isso por que no caso do amor, nunca se é por inteiro, sempre se faz isso e em troca recebe-se o absoluto elogio, e de que serve o elogio se ele não é de você a você? De nada, pela passionalidade você deixa de ser você, e passa ser um esboço do que o outro vê de você, tanto que acaba por ver o que quer ver. A mesma situação se aplica à morte, ao nascimento, ao desabrochar da inocência e à perda da mesma. Você deveria saber disso doutor. Sabe, daqui a pouco vão bater a porta dizendo “É preciso arrombar!”, logo depois outros dirão: “ele era tão jovem”. Por fim coroas e visitas em um único dia por um grupo seleto de pessoas será o que irá levar. Promissor não acha? – Seus olhos estavam tão menos intensos quanto o sabor do teu cheio, na verdade eu já não sentira mais o aroma suave de seu corpo, já não tinha mais calma, estava exausto, e dei a ela a chance de prosseguir. Bem era mesmo o que eu queria, prosseguimento. – Me alcance mais um copo, sirva-me que faz um tempo que não bebo, e bebendo sempre articulo melhor, foi assim desde menina, desde que meu pai molhou minha primeira chupeta no seu caneco de cerveja, eu devia ter uns dois ou três anos.

Da porta fui até a garrafa, dei um gole e lhe passei mais um trago, sentei-me à cama e não tinha como não lhe perguntar:

- Quando eu cheguei você parecia tão frustrada, tão absoluta de si e frustrada. O que houve? E uma subquestão seria, por que me tratar com tantas risadas? – Tomei meus olhos a sua face, já um tanto árida.

- Sabe quando se tem tudo nas mãos, exatamente tudo? – Deu uma boa tragada, com os cigarros entre os dedos, tão epicamente marcados que nem Bowie traduziria em uma canção, pos o álcool à entrelaçar suas vantagens vocais e processou seu pensamento como se eu já concordasse: - Então. Exatamente por isso estava frustrada, e desculpe. Acabei socando você por isso. Minhas risadas já foram bem mais altas, meu grau de felicidade bem mais visto. Em 1949 eu poderia ter sido, em 2008 eu nem sequer existo! E nada do que eu poderia ter feito, embora caprichoso, poderia ter evitado meu destino. Depois de anos e mais anos, décadas e décadas pensando agente chega à algumas conclusões. O rádio era uma paixão que poderia ter sido duradoura, o teatro um brinquedo nas mãos de uma infeliz criatura, e o interior uma barreira que eu deveria ter transpassado. E você? Só posso responder se você me responder.

Haveria algo que eu pudesse dizer depois de uma descrição daquela? Eu não tinha motivos para me entristecer, certamente não era o cara mais esperto do mundo, mas também não era um burro. Sim passei maus momentos, mas se computassem todos os pontos feitos da minha infância até minha vida adulta eu teria ainda muitos pontos de sobra. A Infância fora extremamente agradável, a adolescência nem tanto, mas todos passamos por essas fases igualmente salvas mínimas exceções, amores e desamores tive os que procurei, gostos e sabores aqueles que testei, de modo que, como eu poderia refletir minha frustração contra a dela? Pelo visto ela sim tinha tido um grande problema, eu bem ou mal fazia aquilo que me propus a fazer, respeitado ou não, traumático ou não. Tornei-lhe então com uma diretriz:

- Bom, acho que minha frustração é pelas coisas que eu julgava ter, e não tenho. Talvez quando eu emoldurei minha vida, tenha faltado cola para pregar certamente a armação. Não deixei de fazer, o que pode ter sido um erro por fazer mal feito, ou não esgotar todo o tempo em fazer, mas não queria mesmo plantar uma arvore, escrever um livro, ou ter um filho. – Olhei pela fresta da porta e estranhei o silencio das sirenes e a calmaria que pairava. – Estranho! Até agora não colocaram a porta a baixo.

As horas não passam de bobos compassos dentro de desritimado andamentos. Não, eu não estava em mais uma batalha mental, ou artifícios especulativos. Não temeria eu tamanho absurdo, e nenhuma das explicações pareciam ter coerência, de modo que como eu poderia ter coerência, ou mesmo exigi-la?

- Isso está bem estranho já moça! Você me levou à um grau de vicio que eu jamais pensei que poderia ter. Agora a policia vai me prender, a gorda me processar, e eu podia estar tão bem dormindo no calor do quarto. Mas não me impressiono por qualquer maldito rabo de saia! Maldito seja esse rabo de saia!

Um comentário:

Érica disse...

"Sabe, sempre acho engraçado quando vemos aquilo que queremos ver"

Eterno dilema pessoal...mas exemplificar usando o amor foi deveras interessante

=)