terça-feira, 4 de março de 2008

Bilheteiro do Diabo


Algum dia na vida ela terá de me explicar o que pensou ali! Suas memórias, a atmosfera do clima, o terror inerte dentro de uma pequena bolsa de mão, geralmente me causam esse pavor. Eram quatro da manhã, a madrugada com teu ar gelado, ela e eu apenas na praça, as árvores encobrindo qualquer vergonha que poderíamos ter furtos, roubos e os demais crimes capitais que praticamos todos os dias. A luxuria que brotava de tua imaginação era de embasbacar qualquer dona de casa, a cinta liga, a casaca de couro negro, tão negro quanto teus olhos e cabelos emolduravam minhas recordações das horas anteriores, foi quando ela me beijou.

Há algumas horas estávamos sóbrios, os picos, as doses, as altas risadas de adrenalina ainda não tinham penetrado nosso corpo, a fonte dos prazeres reprimidos por Bocage nem de longe tinha sido tocada. "Imperativo que se tome cuidado com pessoas de terceira idade!", foi o que ela me disse antes de sacar da automática cromada, e alvejar uma velha senhora na fila da bilheteria, três tiros bastaram e entre os instantes predestinatórios do som dos disparos e o alvoroço popular poucos gritos foram dados, nunca me senti tão vivo. "Manda-me rosas mortas toda manhã!", como dizia Jagger ela reproduzia entre os dentes o sorriso mais belo que eu poderia notar, o silencio já dizia a muito mais entre nós dois, os olhares mais impiedosos que os toques e amassos que poderíamos dar, e dávamos. Eu me imaginava contido, mas qualquer que fosse a sua reação teria obviamente a minha maturada posição, estava tão disposto quanto um coveiro ao partir a terra ao meio e como Moises fez ao ranger dos dentes divinos abrir meu próprio mar vermelho e escapar da tirania faraônica.

Engraçado como o tom vermelho vindo do sangue na pele branca da senhora vazia-me como se ela visse deus, era difícil acreditar que ela não tinha razão, "É imperativo", pensei. Seria um bobo besta ou qualquer tipo de mentalmente perturbado em dizer que não, permanecemos não mais do que alguns instantes nesse marasmo inerte, a visão do paraíso logo ali, quando a policia chegou. Dava para ver entre os olhos dela, o sortido desejo de pecar, ali, na frente do esquadrão, e todo o pavilhão se renderia cheio de graças à beleza de nossos corpos. Apoiamo-nos um ao outro, dedicamos mais uma nova canção e viajamos para nosso Éden, exatamente as quatro da manhã, com o vento frio, a cinta liga, e a luxuria que a proteção da chuva fina nos traria.

Um comentário:

Unknown disse...

E dá vontade de pecar...

Ai, mon Dieu!

adooooro.
;*